Terça-feira, 10 de Abril de 2007
Afia facas e navalhas

"afia facas e navaaalhasss " levanta-se o pregão e um som estridente arrancado com os beiços carnudos, saiu daquela pequena harmónica alfinetando os ouvidos, enquanto um objecto andante parecido com uma bicicleta amputada, saltitando aqui e ali, carregando guarda-chuvas, pequenas mós manipuladas por uma engrenagem complexa foi desaparecendo no jardim do <campo dos Mártires, empurrada por um mártir ainda vivo, que não percebi o que ainda o move, talvez o silvo agudo da pequena harmónica que até irrita as sonolentas e preguiçosas pombas dos beirais,ou inquieta os transeuntes que àquela hora vêm de forma distraída "secar o bacalhau" aos primeiros e tímidos raios solares da Primavera de ossos dormentes entalados nas molas de rede da velha cama que mal se aguenta em pé quanto mais aquele esqueleto pele e osso cheio de humidade e bafio, pela qual passaram muitos corpos magros e usados, suados, fedendo a alcóol, a suor ou sexo, ali passaram de forma breve como o tempo, como a sua vida, como passaram por muitas coisas da vida, em que não houvera tempo para tocar, cheirar, olhar ou possuir.

Defronte do jardim ergue-se o hospital como um contraste, um verdadeiro trama da vida, por um lado o cheiro perfumado dos ramos,ou o cheiro a éter, o cantar da passarada alvoroçada com o chegar da primavera da vida, e os gritos agonizantes do inverno da vida, pelos seus labirintos perdem-se crianças e adultos num esconde esconde encantador, pelos corredores sinistros desaparece gente de semblante caído, arrastando o luto e a dor. Hoje é dia de consulta no hospital que se ergue defronte do jardim, há um vai e vem contínuo adormecido entre as naves da entrada principal de figuras trajando antecipadamente de luto como a antever a desgraça, nisso terão de lhe ganhar, já que veio sem aviso, uma espécie de vingança surda, parece haver no seu interior muita dor e até um trem aguardando a hora de partida e porque não? se tanta gente ali entra e muito menos sai! Uma viagem sem retorno numa gare de grande azáfama aonde alguns acorrem apressadas como se o tempo de despedida se tivesse esgotado, como se a verdade só agora tivesse sentido. Porque para certas coisas não há um horário a cumprir, agora que todos se regem pelas horas? Os que voltam dos labirintos poucos são os que trazem espelhada no rosto a esperança, muitos são os que trazem a tristeza estampada, a dor a dobrar-lhes o tronco, o olhar baço, lavado e rosto sulcado de sal. Nascem novas crenças, novas atitudes, outros medos, outras incógnitas. O sol esconde-se atrás das grossas paredes do poente, os labirintos perdem a luz, os médicos e enfermeiros perdem a áurea, fica-lhes o branco das batas, o brilho dos metais e de toda a parafernália agora sem utilidade, até que o sol se muda para outras paragens. Também eu me mudo à procura do sol


música: let it be
sinto-me: desconfortável

publicado por estimulo às 21:51
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